segunda-feira, 4 de agosto de 2014

É dia dos pais



Fala pai. Feliz dia dos Pais. Não vou precisar quebrar a cabeça sobre o que te dar de presente este ano. Mas, retomando minhas linhas, capricho para mandar ao senhor o meu próprio coração.

Evitarei a armadilha da saudade e da distância, que deixa as pessoas amadas muito melhores do que realmente são. Creio que o senhor não precisa que eu aumente sua condição de homem de bem, pois aprendi a respeitá-lo, com seus erros e seus acertos. E isso, por fim, ajudou a resolver nossa relação de pai e filho, quando eu percebia pelo seu olhar que todas as nuvens haviam passado, e enfim, o senhor sabia que eu me tornara um adulto razoável.

Faço força, mas não me lembro do tempo em que, para dormir, eu precisava pegar em suas mãos, por entre a cerca do berço: a memória é boa, mas não vou exagerar, confiando no que o senhor mesmo me disse. Recordo, porém, de sua figura alegre no sofá, comemorando o Brasileirão de 77 do São Paulo, na paixão incontida pelo futebol. Vejo seus passos a descer a rua no Carrão, com a mochila a tiracolo, depois de um dia de trabalho. Volto a ser menino, e corro para o quintal do sobrado, para descobrir a pizza surpresa em cima do registro da água, extra em dia de pagamento, ou a peça de mortadela, protegida do aperto do ônibus público e apresentada como fruto do trabalho operário, digno e ininterrupto. O senhor me ensinou, sem palavras, sobre honestidade, respeito, dedicação, e se fez referência na infância, contraste necessário na adolescência e cumplicidade silenciosa depois de adulto. Mas com seus dilemas, também me falou dos limites do sentimento, e como é preciso cuidado para não se viver a vida de quem se ama. Nas suas inquietações, aprendi que não dá para consumir-se por problemas que não estão mais ao nosso alcance resolver.  E em tua insegurança, mostrou-me como é difícil vincular nossa paz à imagem que supomos projetar aos outros, já que os outros também estão preocupados em administrar suas próprias carências, seus próprios problemas. Hoje entendo que seu orgulho aparente tinha muito de timidez, e que sua distância de sempre era só um grito silencioso de quem aguardava consideração, talvez inconformado com as lutas do mundo, talvez teimoso em não abrir mão de seu próprio modo de ser.

O tempo passou rápido, com suas idas e vindas. Não me dei conta de que o senhor já tinha oitenta anos e que a vida entrava numa espiral, rumo às despedidas. Prendia-me a possibilidade de vê-lo caminhar devagar, mas por muito mais tempo ao nosso lado, embora soubesse que temos bem pouco sob nosso controle e que certas horas as coisas acontecem, sem nos dar satisfação. No de repente da vida, não deu tempo prá falar até já. Mantive a dignidade possível, frente os nossos a consolar e de minha parte, encontrei força no seu próprio exemplo, de seguir em frente, quando me contou sobre as próprias perdas. Os bons momentos guardei no cofre do coração, tesouro que acesso com senha pessoal e intransferível, como a lembrança do choro ao saber da encomenda do primeiro neto, da alegria no Museu do Futebol, a gratidão quase infantil pelos abacates e doces de leite com que te presenteávamos, a surpresa de um analfabeto culinário ao comer o torresmo que eu mesmo te fiz... pequenas coisas, agora tão importantes. E a frase, na última vez que te vi com vida e quando já não havia mais necessidade de esconder sentimentos : “...se vocês soubessem o quanto gosto de vocês!...” Contida, mas tradução de sua razão de viver.

Feliz dia dos pais, pai. Nos ciclos que marcam a jornada humana, hei de encontra-lo de novo e poder te falar pessoalmente do quanto o senhor me fez falta. 

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