terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Hiago ou Olhos verdes procuram – I

     

Trabalhar em escola pública tem lá suas surpresas; crianças são sempre cheias de novidades. Nestes dois anos e pouco que lido com elas, num dia-a-dia bem agitado, às vezes a gente ri de gargalhar, outras engole as lágrimas e disfarça, já que a vida – essa senhora cheia de mistérios - prega certas peças em quem por ela transita. E dói, quando quem paga são as crianças.
Mas vou falar do Hiago, até porque a história dele, por hora, tem final feliz, como toda história de criança deveria ter. Certa manhã, a secretária onde trabalho foi invadida por um garoto em prantos. Com a mão no rosto, gritava desesperado, porque alguém lhe tinha dado um belo de um murro na hora do recreio. Corri ao pátio junto da vitima, um andar a cima, a fim de identificarmos o terrível agressor. “É aquele” – me disse  o chorão, e apontou um garoto de uns 11 anos, bonito, mulato de olhos vivos e verdes ,  em quem até aquele momento eu  não havia reparado.  Tenho um péssimo hábito de projetar meus filhos em crianças-vítimas e passei uma descompostura no valentão, que deixaria qualquer bedel antigo com inveja de meus dotes. Ele tentou argumentar, mas não colou; eu estava num daqueles dias.  Abaixou os olhos, e eu desci triunfante, cioso de minha autoridade escolar.
A verdade é que no dia seguinte, o tal mulato de olhos verdes apareceu na porta de minha salinha.  Hiago, o nome da fera. Veio como quem não queria nada, desconfiado. Eu, na mania de antecipar, achei que era arrependimento de malandro. “O que você quer Hiago, é hora de recreio”. “Nada tio, nada”. E se mandou. Outro dia, a mesma coisa. Ele me rondando; eu, cismado.  Não precisou de muita insistência; uma hora amoleci e abri a porta. Ele entrou no meu espaço de trabalho e também na minha vida.
No começo não falava. Sentava e me via trabalhar. Com o tempo, fizemos amizade e ele foi se soltando. Vivia num abrigo. A mãe, com problemas mentais, perdera a guarda dos filhos, via Conselho Tutelar. Ele foi morar com um avô, que catava papelão na rua, e que num dia cinzento resolveu lhe dar uma surra de marcar.  Deu denúncia da vizinhança, o avô não esclareceu, e Hiago foi encaminhado ao abrigo. Lá vivia com outras crianças, cheio de saudades da mãe e dos irmãos.  Em breve teria dezoito anos – dizia – e saindo do abrigo, procuraria a mãe e cuidaria dela e dos irmãos.

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