terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Hiago ou Olhos verdes procuram - II

Por trás daquela aparência arredia, às vezes violenta, fui descobrindo sensibilidade e muita, muita falta de carinho. Durante alguns minutos de recreio, me dei o direito de ouvir uma criança com marcas na alma, duras de cicatrizar. Como trabalho de costas para a porta, aprendi a reconhecer-lhe os passos silenciosos, quando chegava para conversar ou sentava quieto, fazendo traquinagens com os papéis da minha mesa e dando o fora de repente. Virado prá porta, eu dizia “Hiago!” e ele achava o máximo eu adivinhar que ele já havia chegado. Com o tempo, dei-lhe outras broncas, desencanei algumas vezes de meu papel de pai –tampão.  Mas me arrependia rápido e depois, o rondava eu, querendo algo fazer para diminuir aquela enorme quantidade de tristeza  que às vezes vazava por seus olhos verdes.
Bem, ficar com um tio velho no recreio não é lá grande coisa e com o tempo suas presenças se espaçaram. No final do ano passado, porém, a grande noticia: Hiago fora escolhido por uma família italiana para adoção. Teve a chance tão ansiada pelos abrigados, uma nova família na Europa.  Ele hesitou, resistiu e aceitou mil vezes, conversei um pouco, a equipe de apoio do abrigo muito mais e ele se resolveu a ir. Abracei-lhe com um nó daqueles na garganta, no dia da formatura da 4ª.série, ele com sua beca azul clara e canudo na mão, um sorriso tímido a ganhar mais espaço no rosto. Fez tchau e se foi, sem muitos traumas. Passou por mim, como se diz e seguiu, para um destino novo. Esperança em criança não morre assim tão rápida, graças a Deus.
Tenho a sensação de que um dia ele voltará, e eu de costas, em frente ao micro, sentirei sua presença antes que fale alguma coisa, para dizer seu nome como antes.  E lhe falarei do muito que ele me ensinou, sobre atenção e carinho, carência e dor contida, esperança e tudo o mais. E sobre vida, esta senhora de caminhos tão misteriosos.

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