Assistir ao show de Paul Macartney foi para mim uma experiência quase mística. Religiosa, penso até. Do momento que cheguei ao Morumbi, disposto a encarar a enorme fila por mais de quatro horas, a espera pelo portão que nunca abria por mais quatro, além do show que demorou mais três horas, foi tudo cansativo e mágico, como deveria ser.
Gosto dos Beatles desde dezembro de 1980, quando John Lennon foi assassinado por um maluco em Nova York, e as TVs e rádios derramaram inúmeras retrospectivas e especiais sobre eles e os anos 60. Eu tinha 12 anos e não sei explicar até hoje porque a paixão me invadiu de uma forma que foi prá sempre. De lá prá cá, entre maiores ou menores proximidades, como num casamento destinado a durar, já varei madrugada com meu gravador portátil AIKO para gravar especial no rádio FM, colecionei as revistas possíveis, ganhei livro do pai, fitas cassete do Paraguai da mãe, comprei LPs, fitas de vídeo e DVDs... enfim, fã, oras, daqueles onde a música acaba por se confundir com a própria história da vida.
No domingo do show, como estava sozinho, observei muito e me intriguei mais ainda com esse mistério que envolve os Beatles, representados por sir Paul – quarenta anos passados da separação da banda, quase cinqüenta do primeiro hit e as pessoas ao meu redor beiravam à devoção : quando as 21h30 Paul subiu ao palco e levantou os braços, lágrimas se misturaram aos gritos, numa platéia que incluía senhores, meia idades como eu, jovens e crianças, todos nós irmanados numa mesma paixão.
Na arquibancada, do meu lado direito, um jovem gordinho simpático, tão careca quanto eu, estilo de motoqueiro com jeans e camiseta preta, beijava sua gordinha - não menos simpática e motoqueira - por qualquer motivo, cuidando de fotografar tudo dos ângulos que seu braço conseguisse alcançar com a digital (e até eu acabei por servir de lambe-lambe, os dois pombinhos e o palco de fundo). Do lado esquerdo, outro careca (não, não foi combinado), só que esse disfarçado por uma autêntica peruca beatle, meio desproporcional no seu rosto magro, mas dando a segurança necessária para que ele desse seus pulos de alegria, ao lado de sua parceira que eu podia apostar ser professora de criança pequena. Um pouco abaixo, um casal sessentão matava saudades dos bailinhos, me sensibilizando o tempo todo pelos beijinhos recatados e românticos, as mãos dadas, tudo devidamente registrado pela filmadora de dois filhos adultos e carinhosos, daquelas famílias de dar a inveja boa de querer um dia ser do mesmo jeito.
Paul cantou, choramos e rimos juntos. “Fiz essa música para minha gatinha Linda – disse ele ao piano, anunciando My Love – mas hoje ela é para todos os namorados”, naquele português lido ao pé. Mas quem se importa, se ele se importou em ler só para nos agradar? Enxuguei a coceira do olho que insistia em lacrimar pela vigésima vez, naquela emoção discreta e escondida. É claro que o gordinho calvo deu intermináveis beijos em sua gordinha, numa babação explícita, capaz de encher um aquário. O tiozinho de peruca olhou a Lua como quem olha uma comparsa e entrelaçou forte seus dedos com os da sua professorinha, num gesto de quem reconcilia vida com vida. O casal mais maduro selou o matrimônio e as experiências compartilhadas com mais beijinhos, enquanto os filhos sorriram felizes um para o outro, como quem sabe cumprir uma missão.
Eu, de minha parte, sozinho, fiquei a admirar aquela emoção toda, como se a música formasse uma bolha ao redor de toda aquela gente, trilha sonora de várias vidas ao mesmo tempo. E uma jovenzinha de olhos pretos que brilhavam, logo a minha frente , me perguntou:
- Aquele é o Paul mesmo, não é ?
- É, aquele é o Paul sim – respondi.
E batemos todas as palmas possíveis. Para o Paul, para a vida e para o amor.
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